terça-feira, 17 de janeiro de 2012

São Paulo tem novo caso de raiva em gato após 30 anos



Depois de quase 30 anos sem casos de raiva em animais domésticos na cidade de São Paulo – o último foi notificado em 1983 –, a capital registrou, no fim do ano passado, a morte de uma gata por causa da doença, que é altamente letal e transmissível ao ser humano.

Ela tinha aproximadamente 10 anos, era da artesã Izabel Bonifácio da Cruz, de 50, que mora na Rua Teviot, em Moema, zona sul da cidade. O local é considerado de classe média alta e tem um grande número de animais.

A gatinha havia morrido em outubro, mas a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) e a Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa) do Município de São Paulo foram comunicadas apenas em dezembro. A demora na notificação teria sido atribuída a uma confusão em diagnosticar a causa da morte do animal.

Em entrevista exclusiva ao blog Conversa de Bicho, do Estadão.com.br, Izabel explica que a suspeita inicial era de que a gata tinha sido envenenada, já que em maio do mesmo ano outros animais tinham sido mortos dessa forma. “Tive cinco gatos que morreram por causa de chumbinho (veneno para rato), que jogaram aqui no quintal. Achei que era mais um caso, mas eu a levei para a USP para analisarem o que a matou”, afirma. Só após fazerem diversos testes para intoxicação, todos com resultado negativo, a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ/USP) enviou, no fim de novembro, material para teste de raiva, que deu positivo.

Segundo a tutora da gata, que faz trabalhos voluntários de recuperação de bichos abandonados, a suspeita é de que o animal teria sido infectado após caçar e matar um morcego, que possivelmente estaria com a doença. “Ela tinha a mania de pegar esses bichinhos e trazer para cá. Uns cinco dias antes de morrer, eu me lembro de ela ter pegado um morcego com a boca. Eu retirei o bichinho morto e o joguei fora”, explica. A atitude de tocar no morcego, principalmente ferido, é altamente perigosa e não recomendada por especialistas, porque quem o manipula também pode se contaminar com o vírus da raiva.

Morcegos

Apesar de ser um tipo diferente de raiva daquela conhecida como a do cachorro louco (canina), o vírus rábico transmitido pelo morcego é tão letal quanto o do cão. Além disso, o caso dessa gata e de outros relatos de exposição demonstram que pode estar havendo uma mudança do perfil epidemiológico importante, já que os episódios de contaminação recentes tem como origem a variante do morcego.

Ricardo Augusto Dias, médico veterinário e professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, explica que a doença circula entre várias espécies de morcegos, tanto os que se alimentam de sangue quanto os que comem apenas frutas. “A organização social deles é baseada em agressão e é comum que várias espécies dividam a mesma toca ou caverna. Além disso, eles têm o hábito de um lamber o outro, principalmente as fêmeas.”

Segundo o veterinário, a cidade é um lugar em que se adaptam bem e por isso sempre haverá a possibilidade de contaminação, principalmente nos gatos que vivem soltos, que são mais predadores. “Se não houver o controle populacional de morcegos, sempre haverá o risco.”

Para ele, o fato de não terem realizado a campanha de vacinação contra a raiva foi um erro e expõe o ser humano ainda mais à doença. “Apesar de a vacina não controlar a raiva, já que uma pessoa pode ser infectada diretamente pelo morcego, previne a morte dos indivíduos. Se o animal for vacinado, ele não desenvolve a raiva, que também está circulando na cidade de São Paulo. Tem de haver a campanha de vacinação em animais para proteger os tutores.”

A confirmação de um caso de transmissão de raiva a um felino é considerada grave, mas não incomum. Em 2010, houve dois episódios no Estado de São Paulo, um em Araçatuba e um em Jaguariúna. De 1998 até hoje já foram confirmados 37 animais domésticos contaminados em todo o Estado. “Achava-se antes que esse tipo de vírus parava no morcego, porque não estaria adaptado a outros animais, mas na verdade isso não existe: o risco da epidemia é menor, mas pode haver a possibilidade e ainda estamos fazendo cálculos epidemiológicos para avaliar o risco. Tivemos a comprovação em pessoas e em outros animais de alguns municípios, como Espírito Santo do Pinhal (em 2001), onde ocorreram oito casos de infecção do vírus do morcego em animais domésticos (seis em cães e dois em gatos). Provavelmente um passou para o outro”, afirma a médica sanitarista Neide Takaoka, diretora-geral do Instituto Pasteur, referência nacional em pesquisa e controle de raiva animal e humana.

A médica também defende que haja a vacinação, já que com a imunização o animal desenvolve anticorpos para bloquear o vírus e acaba com a possibilidade de o pet transmiti-lo ao homem. “Enquanto não há estudos que comprovem que não há risco de epidemia, o ideal é que aconteça a campanha de vacinação. Se o Ministério da Saúde vai ter condições de fornecer uma vacina de boa qualidade para todo o País, não sabemos. O País precisa cerca de 30 milhões de doses.”

Para Caio Rosenthal, médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, a ocorrência de um gato morto com raiva é muito relevante. Ele também acredita que a quebra da campanha de vacinação não deveria ter acontecido, já que a doença estava praticamente sob controle. “As consequências são ruins e uma delas é essa que estamos vendo.”

Agora, segundo o especialista, sempre haverá uma dúvida e uma insegurança do médico e da vítima em casos de mordidas ou arranhaduras. “Vai fugir da rotina, do controle, da perspectiva epidemiológica. Um médico de um pronto-socorro vai ter de atuar com esse dado na cabeça. ‘Bom, o ano passado não teve campanha: eu vacino essa criança ou não vacino? Eu dou soro e a vacina?’ Fugiu do protocolo. O médico fica mais preocupado e vai abrir um leque maior de tratamento e prevenção – às vezes sem necessidade real. Na dúvida, vai pecar pelo excesso”, explica.

Sobre a doença

A raiva é uma disfunção viral, caracterizada como uma encefalite progressiva aguda e praticamente não tem cura. Depois de apresentar os sintomas evolui rapidamente para a morte. No mundo, apenas três pessoas infectadas sobreviveram ao mal depois de submetidas a tratamentos, mesmo assim ficaram com alguma sequela.

Todos os mamíferos são suscetíveis ao vírus e também podem transmiti-lo. A forma mais comum da contaminação se dá pela penetração do vírus rábico contido na saliva do animal em feridas, principalmente pela mordedura e arranhadura ou pela lambedura de mucosas. Ao ter contato com o organismo, o vírus se multiplica e atinge o sistema nervoso, alcançando depois outros órgãos e glândulas salivares, onde se replica. Ainda há relatos de transmissão após transplantes e as remotas possibilidades de transmissão sexual, respiratória, digestiva (em animais) e a contaminação da mãe para o filho durante a gestação/parto. O aspecto clínico é bem variado, o que torna difícil o diagnóstico se não houver o histórico de exposição à doença.

Os animais domésticos podem demonstrar alterações sutis de comportamento, anorexia, fotofobia, além de agressividade. O cão pode parecer desatento e, por vezes, nem atender ao próprio tutor. Também pode haver um ligeiro aumento de temperatura, inquietude, crise convulsiva e paralisia, evoluindo para o coma e a morte.

Já no caso do ser humano, o paciente apresenta mal-estar geral, pequeno aumento de temperatura, anorexia, cefaleia, náuseas, dor de garganta, irritabilidade, inquietude e sensação de angústia. A infecção progride, surgindo manifestações de ansiedade e hiperexcitabilidade crescentes, febre, delírios, espasmos musculares involuntários, generalizados e/ou convulsões. Os sintomas evoluem para um quadro de paralisia, levando a alterações cardiorrespiratórias, retenção urinária e obstipação intestinal. O infectado se mantém consciente, com período de alucinações, até a instalação de quadro comatoso. O período de evolução do quadro clínico, depois de instalados os sinais e sintomas até o óbito, é em geral de 5 a 7 dias.

Fonte: Estadão

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